Braguinha: 100 Anos de Alegria
Braguinha: 100 anos de alegria
Quarta, 3 de janeiro de 2007, 08h15
Paquito
Divulgação
Capa do CD "Braguinha: 100 anos de alegria"
Durante o jogo Brasil X Espanha da Copa de 50, realizada no Brasil, a nossa seleção acabava de fazer o quarto gol, e a torcida em peso, pra comemorar, cantava a música Touradas em Madrid, que diz: "eu fui às touradas em Madrid/ pararatchibum bum / e quase não volto mais aqui/ pra ver Peri/ beijar Ceci...". Em uma das cadeiras cativas do estádio, um homem cobria o rosto com as mãos, chorando. Seria um espanhol, revoltado com a derrota da seleção do seu país? Não, era um dos autores de Touradas em Madrid, que não resistiu à emoção de ver sua obra cantada por toda a torcida brasileira naquele momento único. Era Braguinha, que fez a música em parceria com Alberto Ribeiro, e que morreu dia 24 de dezembro de 2006, véspera de Natal, aos 99 anos, quase como um personagem de suas canções leves, poéticas, doces e enaltecedoras do gosto de viver.
Braguinha, também poeticamente, nasceu numa sexta-feira da paixão, no Rio de Janeiro e, ao assumir a carreira artística, adotou o pseudônimo de João de Barro, um pássaro arquiteto, já que fazia o curso de arquitetura, e já que a família não queria ver o seu nome envolvido na profissão de músico popular, malvista na época. No Bando dos Tangarás, grupo que integrou no início da carreira, Braguinha tinha a companhia de Noel Rosa e Almirante, que depois gravaria muitas de suas canções. Pois foi exatamente como compositor que Braguinha se destacou: marchinhas de carnaval como Chiquita Bacana, Yes, nós temos bananas e a citada Touradas em Madrid (todas com Alberto Ribeiro, seu parceiro mais constante), além de Pastorinhas (com Noel Rosa); canções precursoras da bossa-nova como Copacabana (com Alberto Ribeiro) e Laura (com Alcyr Pires Vermelho); e, por fim, a letra de Carinhoso, cuja melodia, de Pixinguinha, esperou 20 anos pra ser letrada. Pra se ter uma idéia da comunicabilidade dos versos de Carinhoso, é só comparar com a letra de outra belíssima melodia de Pixinguinha, Rosa, aquela que começa assim: "tu és divina e graciosa, estátua majestosa...". Rosa, além de comprida, é empolada e rococó, de um romantismo datado. Já Carinhoso, até hoje presente na memória afetiva dos brasileiros, possui a despretensão e leveza que marcam a obra de Braguinha.
O compositor, aliás, integrou a chamada era de ouro da música brasileira, que se inicia na década de 30. Ele mais Noel, Lamartine Babo, e Assis Valente, puseram em prática o que ambicionava a Semana de Arte Moderna de 22: criaram uma arte brasileira, adequando amor ao humor, algo de que falava Oswald de Andrade. E o fizeram com independência de cânones pré-estabelecidos ou a se estabelecer, vide a letra de Futurismo, de Lamartine e Noel, que esculacha com o movimento liderado por Marinetti, tão caro aos modernistas: "nasci na praia do vizinho, 86/ vai fazer um mês (...) é Futurismo, menina/ pois não é marcha nem aqui nem lá na China".
Braguinha ainda foi versionista de filmes da Disney como Pinóquio, Bambi, Alice no país das maravilhas e Branca de Neve e os sete anões. Portanto, apelando outra vez pra nossa memória afetiva, "eu vou, eu vou pra casa agora eu vou" também é letra dele. Ainda na área da literatura infantil, Braguinha criou a série Disquinho, da gravadora Continental, que se encontra disponível em CD.
E, pra se ter uma idéia precisa da importância de João de Barro pro carnaval, e de como a sua obra vive, é só adquirir o CD Braguinha:100 anos de alegria, do selo Revivendo, do grande Leon Barg. Leon mantém em sua casa um dos maiores (se não o maior) acervos de discos em 78 rotações do Brasil, e criou o selo Revivendo que, periodicamente, abastece o país de gravações históricas que, se não fossem seus lançamentos, nunca estariam disponíveis ao público em CD. Falei ao telefone com Leon, que me contou que este disco contém todos os sucessos de Braguinha pros carnavais de 1933 a 1957, em 20 faixas. As gravações, é importante ressaltar, são as originais, com intérpretes como Silvio Caldas, Almirante, Mário Reis, Emilinha Borba, Carmem Miranda e outros. Ouvir estas músicas nas gravações originais, aliás, é uma delícia, pois os registros desse período possuem, além da beleza dos arranjos e da excelência das interpretações, uma vivacidade toda própria, demonstrando o porquê de se chamar essa época a era de ouro da música brasileira.
Pra finalizar, um detalhe sobre Braguinha, contado por Leon: ele compunha assobiando, portanto, levava a vida na flauta. E dava a seguinte receita de felicidade: "Se encontrar uma pedra no caminho, se for pequena, chute para longe. Se for grande, sente-se nela e descanse".
Pra pedir o CD Braguinha: 100 anos de alegria, é só acessar o site www.revivendomusicas.com.br.
Paquito é músico e produtor.
Fale com Paquito: anjo.paquito@terra.com.br
Terra Magazine