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São João Antigo

Já faz algum tempo, estamos sendo bombardeados por uma infinidade de músicas, se é que podemos assim chamá-las, que a cada ano surgem neste período que antecede as festividades juninas. Na sua quase totalidade, são músicas apelativas, com letras insinuantes e de duplo sentido, totalmente descompromissadas com o verdadeiro espírito da festa de São João. São músicas que em nada retratam os costumes ou a cultura do nosso povo, mas tão -somente visam à lucratividade. Ao que me parece, um objetivo já alcançado, haja vista o crescente número de cantores e adeptos deste gênero. Por serem músicas passageiras, de breve duração, podemos até classificá--las como mais um artigo de consumo para uma determinada faixa da população. Como não apresentam qualquer sustentação poética, estas músicas não conseguem resistir à ação demolidora do tempo, residindo neste fato a grande diferença entre estas e aquelas músicas mais antigas.  
Dificilmente encontramos hoje músicas que cantem o São João na sua forma mais autêntica, como ainda é festejado no interior. O São João de quadrilhas e brincadeiras ao redor da fogueira, com balões e foguetões, onde as pessoas fazem pedidos a São João e se divertem com as adivinhações. O São João de fartura, com milho verde, canjica, pé-de--moleque, licor e aluá. 
As marchinhas, os forrós baiões com motivação junina são hoje raríssimas exceções. Os atuais cantores da música nordestina parecem desinteressados na preservação deste estilo ou encontram-se já corrompidos pela lucratividade que o pornoforró lhes proporciona. Naturalmente que há exceções ao que foi exposto acima como exemplos, podemos citar os sanfoneiros Dominguinhos e Luiz Gonzaga, dois pernambucanos de fibra e que sempre souberam se manter fiéis ao compromisso de cantar os valores e a cultura da terra nordestina.  
Diante deste quadro, nos parece muito confortante o fato de ainda podermos ouvir músicas que são verdadeiros clássicos da música junina. São obras que não envelheceram, não obstante tenham sido gravadas há quase 40 anos, e que ainda continuam trazendo alegrias e recordações até mesmo para o público mais jovem. Se não ouvimos com mais freqüência estas músicas, é porque os esquemas de divulgação não permitem. Quem não conhece, por exemplo, São João na Roça (A fogueira tá queimando/em homenagem a São João/ O forro já começô ô...), marchinha junina composta por Luiz Gonzaga em parceria com o poeta pernambucano Zé Dantas, em 1952, e cantada até os dias de hoje; Noites Brasileiras (Ai que saudade que eu sinto/das noites de São João/das noites tão brasileiras, das fogueiras/sob o luar do sertão...), também de autoria de Zé Dantas e Luiz Gonzaga, gravada pela primeira vez em 1954; São João antigo (Era festa de alegria/São João/ tinha tanta poesia/São João/tinha mais animação...), outra marcha junina composta por Zé Dantas e Luiz Gonzaga no ano de 1957; São João no Arraiá (Ô Iaiá vem vê/Ô Iaiá vem cá/vem vê coisa bonita/São João no arraiá ..), composição de Zé Dantas gravada por Luiz Gonzaga em 1960; Olha pro Céu (Olha pro céu meu amor/vê como ele está lindo/ olha pra aquele balão multicor...), de José Fernandes e Luiz Gonzaga, gravada em 1951. 
Estes são apenas alguns exemplos de músicas juninas que se transformaram em imortais sucessos e que, indiferentes à ação do tempo, continuam vivas ainda hoje. Com isso, vemos que a música que tem base poética, de único sentido e voltada para os valores da terra, não tem vida limitada. Para ela, sempre haverá espaço. 
Observamos hoje, com tristeza, que a descaracterização do São João não está apenas na música, mas, também, na maneira como vem sendo comemorado. O que se vê hoje nas grandes cidades não passa de uma grosseira imitação. 
É necessário que haja uma conscientização ainda maior no sentido de preservar esta que é uma das nossas mais tradicionais festas populares. Por tudo isso é que procuro refúgio no intetior, seguindo o conselho de Zé Dantas e Luiz Gonzaga.em São João Antigo, para ter a certeza de que não mudei, nem tão pouco o São João. Quem mudou foi a cidade. 
 
 
SÃO JOÃO ANTIGO – (Zé Dantas & Luiz Gonzaga), 1957 
 
Era festa da alegria 
São João  
tinha tanta poesia 
São João 
tinha mais animação 
mais amor, mais emoção 
eu não sei se eu mudei 
ou mudou o São João 
 
Vou passar o mês de junho 
nas ribeiras do sertão 
onde dizem que a fogueira 
ainda aquece o coração 
pra dizer com alegria 
mas, morrendo de saudade 
não mudei, nem São João 
quem mudou foi a cidade 
 
 
SÃO JOÃO NO ARRAIÁ – (Zé Dantas), 1960 
 
Ô Iaiá vem vê 
ô Iaiá vem cá 
vem vê coisa bonita 
São João no arraiá 
 
Vem vê quanta fogueira 
no terreiro embandeirado.  
foguetes e balões  
sob o céu todo estrelado 
namoro à moda antiga 
com suspiros ao luar  
vem vê coisa bonita 
São João no arraiá  
 
Cachaça em Pernambuco  
renda só no Ceará 
café só em São Paulo  
açaí só no Pará 
no clube o ano novo  
bom na rua é carnavá  
natá só presta em casa 
São João no arraiá. 
 
 
SÃO JOÃO NA ROÇA - (Zé Dantas & Luiz Gonzaga), 1952  
 
A fogueira tá queimando 
em homenagem a São João 
o forró já começô ô  
vamo gente  
rapá pé nesse salão  
dança Joaquim com Zabé  
Luiz com Yayá 
dança Janjão com Raqué 
e eu com Sinhá  
traz a cachaça Mané 
eu quero vê 
quero vê paia avuá. 
 
 
OLHA PRO CÉU – (José Fernandes & Luiz Gonzaga), 1951 
 
Olha pro céu, meu amor 
vê como ele está lindo  
olha pra aquele balão multicor 
como no céu vai sumindo 
foi numa noite, igual a esta 
que tu me deste o coração 
o céu estava, assim em festa 
porque era noite de São João  
havia balão no ar 
xote, baião no salão 
e no terreiro o teu olhar  
que incendiou meu coração. 
 
 
Marcos Barreto de Melo 
 
Salvador, junho de 2003 


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