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Crônica de Sorocaba - "twenty Century"

Crônica de Sorocaba - "Twenty Century" 
 
 
FALTAM apenas seis meses para o fim do século. A principal marca das diferenças entre este e o último fim de século está justamente em como ficou aquele conhecido: "fin du siècle", e em como pode este ser representado pela mesma expressão - só que em Inglês. 
 
Não, leitora minha amiguinha, meu amigão leitor, ao contrário do que dizem as más línguas, que maldão, sempre, não odeio a Língua Inglesa. Mentiria se dissesse não ser verdade que gritei pelos corredores da Uniso: 
 
- "I hate English"! 
 
Mas, isso, era que eu havia recém-descoberto que o curso que freqüentava era o "de Inglês", conforme me garantiam todas as coleguinhas e uns colegões, e não "de Português", como eu desejaria. A constatação de que, em minha terra, para algum alguém freqüentar um curso de Português, só o pode fazer matriculando-se no de Inglês, desconcertou-me. Vindo, como provinha, de uma envolvente militância sindical, sociólogo em pesquisa muito mais que participante - engajada, engulhou-me a revelação.  
 
Sou homem tolerante e de espírito descortinado. Confesso-me capaz de reconhecer, no idioma Inglês, as belezas de sua música, lado ao engenho da estrutura. É o que a tem definido melhor: sua plástica praticidade.  
 
E, no entretanto, não me perco, não lhe perco de vista a musicalidade única de meu próprio idioma, mesmo, e, antes, principalmente, com suas influências únicas das comunidades de imigrantes, depois, claro, das dos autóctones, nem lhe ignoro a riqueza única de sua complexidade estrutural. Perguntam-me, por vezes, se é de verdade certo ser, o Português, "a Língua mais difícil do mundo".  
Respondo: "É claro que não".  
 
Faz-se o diabo com um banjo à mão, nem menores misérias com um reco-reco. Mas porém, pode-se optar entre bater um triângulo ou tocar sanfona. Um triângulo é fácil, nem por isso deixando de ter seus espertos. Já, o acordeão é mais difícil, embora jamais não lhe falte quem lhe percorra as teclas com os dedos toscos ou ágeis ou ambos. Não há Línguas difíceis: há povos pobres.  
 
Vai daí que a principal diferença entre o final do século passado e o deste cuja ponta aponta é a representada pela denominação francesa do primeiro e a dominação norte-americana do segundo. Há uma permuta sempre possível entre parônimos, que, como tudo o que é muito parecido, são completamente diferentes entre si: há, de fato, por vez, mais igualdade entre uns vocábulos, ou entre coisas, e até entre pessoas, dos mais díspares, as mais diversas, que a semelhança que podemos buscar encontrar entre os mesmos confrades de umas certas incertas confrarias; vá lá: decerto, de toda confraria, mesmo as certas... Há. Muita vez.  
 
Somos parte dos povos pobres desde mundo de Deus e, mesmo os ricos, entre nós, quando nos voltam as costas, são, tão-somente, uns pobres de uns pobres ignorando uns pobres pobres, os pobres.  
 
Jamais que um nova-iorquino de classe média irá se considerar inferior a um milionário cucaracha.  
 
Que lhe dirá a Língua que fala? "In God we trust" soa mais convincente que um desenxavido "Cremos em Deus", ainda mais impresso em notas de dólar. Saiamos, contudo, do inóspito mundo dos "business" e invadamos as inefabilidades das levezas do espírito. Um "I love you" tem mais charme que o mais caprichado "Eu amo-te", ou mesmo, apenas, "Amo-te". Aliás, aqui há, de fato e fato, controvérsias... defendem, uns, dizermos, isto sim, "Eu te amo"; já, uns outros preferem dizer "Amo você" (com ou sem "eu"; e sublinhe-se que o "eu", aqui e agora, não é nem pode ser pleonástico, porque, nas coisas do amor, na verdade, nunca é nada demais, nem mesmo tudo.). Outros, ainda, e conforme o caso, optam por "Amo-a" ou "Amo-o". No cancioneiro popular, o caso resolveu-se em um saboroso "Eu te amo você". Ah, mas um "I love you, baby"... E há essa questão estranha de eles referirem-se a si mesmos em maiúscula: em Inglês, "eu" é "I". Imagine o leitor intrigado, a leitora intrigante, se apenas escrevêssemos, em Português: "Quando sou Eu que falo..." Já "você", ou "vocês", além de serem escritos em minúsculas, são designadas por uma mesma única palavra: "you". É preciso dizer mais? Pois, para mim, isso muito e muito conta da personalidade do povo que escreve assim o que fala, que fala assim o que pensa, que pensa assim o que é. Credo. Mas, isso, claro, é preconceito meu, sei bem disso, apenas não abro mão dele. É um dos poucos preconceitos que ainda se pode ter sem se ir preso. Porque, hoje, se eu falo "Aquele negrinho desgraçado" posso sofrer um processo. Se disser "Aquele turco ladrão", "Aquele judeu avarento", estou perdido. Já, todos eles, podem gostosamente invectivar-me "Aquele velho gordo" que, no máximo, serão advertidos (não o serão) por mau comportamento. Mas nem assim eu digo que odeio o Inglês.  
 
Nem sei por que tamanhamente me exalta atestar ser impossível se estudar a Língua Portuguesa em uma cidade do Brasil sem que esse um estudante de curiosidades se veja obrigado a estudar, ao mesmo tempo, o Inglês do império ianque. De há quanto tempo vem isso? E que importa, afinal? Quando me detive a analisar "O Corvo", numa leitura multilíngüe e conjunta coordenada pela mestra professora Cleide Riva Campelo, pude degustar, melhormente que em outras ocasiões (e não as tive poucas, com a querida e competente professora e atriz Fernanda Maia), os veios de preciosidades germânicas ali contidas pelo poeta norte-americano Edgar Allan Poe e por ele desvendadas em sua "Filosofia da Composição" (que li em Português). Além, muito além do "Raven"/"never"... O que ainda me irrita, realmente, meus amiguinhos e grandes amigas, é o labiríntico cerco político que nos impõem, o esbulho cultural que nos afligem.  
 
E o por fim das coisas é que a Cleidinha é professora de Inglês emérita. Mas, não apenas é isso.  
 
Semioticista, estuda ela o significado das coisas, e as coisas do significado. Por que digo dela? Esclareço.  
 
Cleide fará palestras, nestas férias julinas, na Oficina Grande Otelo, em Sorocaba. Não se as devem perder quem se interesse pelas coisas da cultura, pela cultura das coisas e pela cultura das coisas da cultura.  
 
Cleide Campelo é autora de um livro - "Cal(e)idoscorpos - Um Estudo Semiótico do Corpo e Seus Códigos" - que é imperdível. Nele, como diz, estuda "o corpo como um texto da cultura". Foi sua tese de mestrado em Semiótica, quando fez "uma leitura provocadora da complexidade do corpo e suas linguagens e do corpo como linguagem". Cleidinha, em seu curso de férias, discorrerá sobre a "Semiótica da Cultura".  
 
A Semiótica - essa verdadeira filosofia dos tempos modernos - tem-nos roubado, aos que amamos estudar a fundo (ou nem tanto) a Língua Portuguesa, as melhores cabeças. Sobram-nos as meras nossas, cada vez mais, mais ocas.  
 
Em tempo: deverá de haver diversas citações inglesas, mas mestra Cleide fará mesmo suas palestras em Português... "ok"?  
 
Coisas do fim do século.  
 
Uma poesia  
 
Olhos  
 
Teus olhos iluminam, 
duas estrelas claras, 
translúcidas meninas, 
quais duas pedras raras. 
 
São olhos que fascinam, 
de múltiplas cabalas, 
que são duas intrigas, 
esfinges, flores, taras. 
 
Teus olhos transparentes 
prometem desvarios 
e espalham aflição. 
 
Teus olhos sorridentes 
como águas de dois rios 
e o mar da solidão. 
 
Paulo Tortello  
 
Paulo Tortello é Poeta. 
Fone/Fax: (15) 231-8218. 
E-mail: tortello@zaz.com.br  


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