Selo lança pacote de três CDs com canções do compositor tocadas por diversos artistas nos anos 50 e 60 
 
A caixa de três CDs "Tom Jobim - Raros Compassos", compilada pela Revivendo, reúne 75 fonogramas em que artistas, os mais diversos, se debruçam sobre a obra do autor carioca - gravações dos anos 50 e, menos, dos anos 60 são maioria quase absoluta, e muito pouco do que está aqui se encontrava em catálogo em CD. 
 
Como bônus, a gravadora garimpeira - quase tudo aqui vem dos arquivos da "majors" - recupera dois registros do próprio Tom, recolhidos da tela de cinema de "Porto das Caixas"(62), de Paulo César Saraceni. 
 
Como o projeto embaralha toda a ordem cronológica dos fonogramas, embaralha-se também uma de suas utilidades, a de permitir observar como foi se conformando a bossa nova, legado maior de Jobim (1927-94) à posteridade. 
 
A história que se estabelece não traz surpresas, mas é saborosa mesmo assim. Começa no intervalo 1956-58, quando Tom ainda não encontrara o cacife, a coragem e o João Gilberto necessários para empunhar a rebelião. 
 
Dessa quina são temas instrumentais levados por Léo Perachi ("Moonlight Daiquiri", "Coffee Delight", "Latin Manhattan") e as interpretações de cantores que não sobreviveriam à bossa nova (Helena de Lima, Dora Lopes, Osny Silva...). 
 
Concomitantes eram os intérpretes que prenunciavam a transição, mais para lá do que para cá (Agostinho dos Santos, Jorge Goulart), ou mais para cá do que para lá (Sylvia Telles). Com "Chega de Saudade" por João Gilberto, em 58, o estado de coisas se invertia. Os "teimosos" procuravam trazer a bossa a seus territórios - a amostra mais expressiva é "Se Todos Fossem Iguais a Você", adaptada em 59 ao trovão de Vicente Celestino. 
 
Não dava mais, e por isso a história não se lembra de Albertinho Fortuna ("Eu Sei Que Vou Te Amar" cantado com a letra "dó ré sol fá/mi dó fá mi/ré si si dó/si dó dó", é antológico no sentido anedótico), José Orlando (cantando "Chega de Saudade" como se fosse Orlando Silva) e a dupla Mara e Cota tornando caricatura "Eu Sei Que Vou Te Amar". 
 
E se iniciavam os esforços dos "antigos" por se adaptar às novas diretrizes. Isaura Garcia com "Meditação" (59); Marlene sincopava "Brigas Nunca Mais"(59); Dick Farney se esbaldava em "Amor sem Adeus"(59). 
 
Histórico fica sendo Mário Reis, que aparece nas sensacionais "O Grande Amor"(59) e "Isto Eu Não Faço Não"(60), demonstrativas de que, naquele momento, o intérprete de personalidade ainda podia se sobrepor à obra de Tom. 
 
Daí seria o reinado dos filhotes da bossa. Ana Lúcia fez de "Água de beber"(61); Wilson Miranda coalhou "Só Tinha de ser com Você"(62) e "Demais"(64); Claudete Soares brilhou em "Vivo Sonhando"(68). 
 
Espetacular nesse time é Elza Soares em "Acho Que Sim" (61) e "Só Danço Samba"(63). 
 
Respostas as peças do quebracuca, o mundo musical daqueles anos parece mais convulso que na noção associada à bossa nova. "Raros Compassos" se prejudica da não-cronologia e impacienta, pelo excesso de versões de "Chega de Saudade", "A Felicidade" ou "Se Todos Fossem Iguais a Você". Mas é documento, isso é. 
 
AS MÚSICAS DOS CDs 
 
1956 
Dora Lopes, "Samba Não É Brinquedo" (**) 
Edu da Gaita, "Domingo Sincopado". (**) (instrumental) 
Helena de Lima "Foi a Noite" 
Luiz Bonfá, "A Chuva Caiu"(instrumental) 
Orquestra e Coro RGE, "Frevo de Orfeu"(*) (instrumental) 
Osny Silva, "Foi a Noite" 
 
1957 
Alexandre Gnattali, "Se Todos Fossem"(instrumental) 
Ernani Filho, "Frase Perdida"(**) 
Jorge Goulart, "Descendo o Morro" 
 
1958 
Agostinho do Santos, "Sucedeu Assim" 
Dorival, "Por Causa de Você" (instrumental) 
Helena de Lima, "Por Causa de Você" 
Léo Peracchi, "Coffee Delight" (**) 
"Latin Manhattan"(**), Moonlight Daiquiri (**) (instrumentais) 
Maria Helena Raposo, "Estrada do Sol", "Se Todos Fossem Iguais a Você 
Marisa Gata Mansa e Moacyr Silva, "Chega de Saudade" 
Norma Suely, "Se Todos Fossem Iguais a Você" 
Roberto Paiva, "Maria da Graça" (**) 
Sônia Dutra, "É Preciso Dizer Adeus" 
Sylvia Telles, "Mágoa" (*) 
Vera Lúcia, "Por Causa de Você 
 
1959 
Abel Ferreira, "Chega de Saudade" (instrumental) 
Albertinho Fortuna, "Eu Sei Que Vou Te Amar" 
Carlos Augusto, "Canção da Eterna Despedida" (*), "A Felicidade", "Sem Você" 
Carlos José, "Por Toda a Minha Vida" 
Diana Montez, "O Nosso Amor" 
Dick Farney, "Perdidos nos Teus Olhos" (**) 
Isaura Garcia, "Meditação" (*) 
José Orlando, "Chega de Saudade" 
Luely Figueiró, "A Felicidade", "O Nosso Amor" (*) 
Mara e Cota, "Eu Não Existo sem Você", `Eu Sei Que Vou Te Amar" 
Mário Reis, "O Grande Amor" (*) 
Marlene, "Brigas Nunca mais" 
Severino Araújo, "A Felicidade" (instrumental) 
Trio Nagô, "Chega de Saudade" 
Vera Lúcia, "Este Seu Olhar" 
Vicente Celestino, "Se Todos Fossem Iguais a Você" 
 
1960 
Ana Lúcia, "Esquecendo Você" (*) 
Dick Farney, "Amor sem Adeus"(*), "Esquecendo Você" 
Jandira Gonçalves (Anita Brunete), "Janelas Abertas" 
Mário Reis, "Isto Eu Não Faço, Não" (*) 
Neusa Maria, "Meditação" 
Zezinho, "Na Hora do Adeus"(**) 
 
1961 
Ana Lúcia, "Água de Beber" 
Dorinha Freitas, "Porque Tinha de Ser" (*) 
Elza Soares, "Acho Que Sim" (**) 
Zacarias Filho, "Brigas, Nunca Mais" (instrumental) 
 
1962 
Carolina Cardoso de Menezes, "Só em Teus Braços", "Discussão" (instrumentais) 
Nelly Martins, "Insensatez", "Para Não Sofrer" (*) 
Pery Ribeiro, "Esquecendo Você" 
Tom Jobim, "Derradeira Primavera", "Porto das Caixas" 
 
1963 
Delora Bueno, "Corcovado" 
Elza Soares, "Só Danço Samba"(*) 
Jorginho, "Para Não Sofrer"(instrumental) 
Wilson Miranda, "Insensatez" 
 
1964 
Pery Ribeiro, "Demais" 
Stelinha Egg, "Só Danço Samba" 
 
1965 
Wilson Miranda, "Inútil Paisagem", "Só Tinha Que Ser com Você" 
 
1968 
Claudete Soares, "Vivo Sonhando" 
 
1980 
Cauby Peixoto, "Oficina" 
 
1981 
Galo Preto, "Flor do Mato"(**) (instrumental) 
 
1982 
Raphael Rabello, "Garoto"(instrumental) 
 
Sem data 
Angela Maria, "Não Devo Sonhar" (**) 
Herivelto Martins, "A Felicidade" 
Vanja Orico, "Sucedeu Assim" (*) 
Vera Lúcia, "Eu Não Existo sem Você" (*), "Porque Tinha de Ser" 
 
(*)faixas colocadas, segundo a Revivendo, em suas gravações originais; 
 
(**) faixas que, segundo a gravadora, "salvo engano" só receberam uma gravação. 
 
(Pedro Alexandre Sanches) 
Folha de S.Paulo. Ilustrada. Segunda-feira, 15/05/2000. Pág. E 8