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Carmen In Brooklyn

CARMEN IN BROOKLYN 
 
O mito da Pequena Notável renasce numa  
Mega exposição em Nove York, 46 anos após  
Carmen Miranda - Rio de Janeiro  
 
Quando começaram a discutir a futura exposição de Carmen Miranda, agendada para 2001, os curadores do Brooklyn Museum, uma vetusta casa de cultura de Nova York, depararam-se com um pequeno problema. Muito pequeno, aliás. Onde iriam conseguir os manequins? Afinal, a Pequena Notável fez jus ao apelido. Tinha meros 1,53 metro de altura, miúda até para os modestos padrões da mulher brasileira da sua época e positivamente nanica diante das imponentes dimensões das modelos deste esguio final de século.  
 
A solução: improvisar. O museu teve que encomendar especialmente os manequins para comportar fidelidade o figurino da cantora. Nada mais apropriado, aliás. Desde que pisou nos palcos do Cassino da Urca, Carmen Miranda desafiava quase todas as etiquetas, inventando sua própria moda. Elevou o humilde traje baiano para a alta-costura. No seu mínimo pé, o pesado tamanco plataforma virou um sapato fino e charmoso. Ela conseguiu tornar a mais escandalosa bijuteria em acessórios de luxo. Fez da banana e do abacaxi o que Disney fizera dos roedores - símbolos alegres e exagerados que imprimiram um estilo, até um estado de espírito, em toda uma era.  
 
Uma era distante, é verdade, já que o auge da carreira de Carmen foi dos anos 40 para os 50. Mas meio século depois a musa ainda resiste e brilha, nas cópias chiadas dos musicais de Busby Berkeley e dos estúdios da 20 th Century Fox, nos precários discos de 78 rpm, nas músicas que ainda alegram o nosso carnaval. Quase não há cantora contemporânea brasileira (e mesmo estrangeira) que não conheça de cor pelo menos um dos clássicos de seu repertório. Até hoje seus gestos, olhares e guarda-roupa fazem parte da linguagem teatral, reconhecida e repetida nos palcos. "Ela era única", suspira Iberê Magnani, diretor e curador do Museu Carmen Miranda, no Rio de Janeiro, e tão fanático pela Pequena Notável que certa vez se apanhou psicografando um documento com a assinatura da musa.  
 
E não há lugar melhor para a lenda de Carmen que a casa das musas. Apesar do porte modesto, o museu do Rio, na avenida Rui Barbosa (fundado em 1976), surpreende pelo acervo riquíssimo de roupas, sapatos, acessórios e outras peças. Agora, com a exposição agendada para o novo milênio no museu do Brooklyn, a lenda passa a conquistar a merecida vitrine internacional.  
 
Reconquistar, aliás, pois meio século após sua glória hollywoodiana, a mais badalada entertainer brasileira ensaia um belo revival. Recentemente, inspirou um baile de gala no hotel Copacabana Palace, um enredo de Carnaval e dois documentários. Este mês (agosto), ela será tema de um desfile de moda em São Pulo, em plena praça da Sé. E ainda está por vir a biografia dela de autoria de Iberê Magnani, com o título Ta-Hí!, nome da primeira música de grande sucesso (vendeu 25 mil) da jovem carioca que muitos ainda chamavam de Maria do Carmo.  
 
Para coroar essa rica agenda, o Museu do Brooklyn se prepara para descortinar uma grande exposição (ocupará uma galeria de cerca de 600 metros quadrados) dedicada inteiramente à artista brasileira. Uma homenagem e tanto, é claro. Mas Carmen Miranda numa casa de belas artes? E logo no vetusto Brooklyn Museum, uma centenária casa que ostenta 1,5 milhão de peças, desde as obras-primas do egito às obras capitais do impressionismo?  
 
É que, atrás da sua imponente fachada neoclássica, o museu do Brooklyn está cada vez mais pop. (Abre até nas noites de Sábado, convocando multidões com jazz, vídeo e comes e bebes.) "No início, esta casa era um museu dos mais conservadores, com fósseis e ossos de dinossauros", explica Arnold L. Lehman, diretor do museu. "Mas crescemos e amadurecemos, e cada vez mais estamos explorando as fronteiros das artes."  
 
"Carmen Miranda é uma figura lendária, que toca cada um de nós. Há uma grande nostalgia com relação aos anos 40 e 50, o auge da sua carreira, "E mais alguma coisa, também. Faz tempo que o Brooklyn vem trabalhando as "questões de ambigüidade e mistura cultural e étnica", segundo Kevin Stayton, vice-diretor do Brooklyn. "Carmen Miranda era uma portuguesa que virou brasileira e levou sua música e suas fantasias - temperadas com elementos e ritmos dos escravos - para os Estados Unidos, e ainda fez a América por meio do cinema. E tudo isso em plena Segunda Guerra Mundial." O Brooklyn também orgulha-se de sua coleção de roupas de época, um dos maiores acervos do gênero do país. Uma vitrine perfeita para Carmen Miranda.  
 
Tudo começou no ano passado, quando o editor americano Charles Treves e sua esposa, Regina Priolli, artista plástica carioca radicada em Nove York, levaram a idéia para o museu. Lehman gostou e enviou Stayton para o Rio para ver de perto a coleção do Museu Carmen Miranda. "Achamos fabulosa", diz Stayton. "Vamos trazer entre 35 e 40 figurinos completos." Além de roupas e acessórios, o Brooklyn fará uma amostra multimídia, com fotos, filmes e gravações de suas músicas.  
 
Para os fãs de Carmen, esperar até meados do ano 2001 (começa em 25 de maio e vai até 19 de agosto) pode parecer um exagero. Mas, no universo dos grandes museus, será uma correria. Há muito trabalho pela frente, a começar pela restauração completa dos figurinos. É um trabalho minucioso, quase arqueológico, já que muitas roupas carecem de peças que não existem mais e quase todas sofreram com as chagas do tempo, do mofo e de maus tratos. Graças à criativa campanha "Adote Carmen" , o museu do Rio já arranjou patrocinadores para bancar o conserto da maior parte das 371 peças. Iberê Magnani guarda com carinho um caderno - "minhas páginas amarelas" - abarrotado de nomes dos "pais adotivos" de Carmen.  
 
Lá longe em nove York, também, ainda há muito para resolver, do transporte do material do Rio de Janeiro para o Brooklyn ao financiamento da exposição. Até vésperas da abertura, todo o efetivo do museu estará empenhado na exposição. "A idéia", diz Stayton, "é estabelecer uma data de estréia lá na frente, para depois rapidamente de frente para trás." Parece até um passo de samba de Carmen Miranda.  
 
Matéria editada na Revista Ícaro Brasil/ Agosto 1999 
Texto Mac Margolis  
 


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