Profissionais Resgatam a Memória da MPB 
 
O trabalho de escritores e das gravadoras Revivendo de Leon Barg e Lumiar, de Almir Chediak, na recuperação da obra de mestres da nossa música 
 
Pelo menos no caso da música, o velho chavão de que brasileiro não tem memória é, com perdão pelo trocadilho, cada vez mais uma coisa do passado. Nestes balanços de fim de século que vêm ocupando a mídia, é bom lembrar que nunca, como nos anos 90, nossa história musical foi revista e recuperada em dezenas de livros e centenas de discos. Sempre tivemos pesquisadores e "guardadores" de alto quilate, como Mário de Andrade, Oneida Alvarenga, Almirante, Lúcio Rangel e mais recentemente Marcus Pereira.  
 
Durante um bom tempo, a Funarte lançou biografias de alguns dos fundadores e definidores da música popular brasileira. Havia também iniciativas como a da gravadora Continental, que no meio dos anos 70 lançou as séries Destaques e Ídolos MPB, produzidas pelo pesquisador J.L. Ferrete. Mas a verdade é que nunca, como nos 90, esse sentido de recuperação foi tão abrangente, nem se ofereceu ao público tantas oportunidades de conhecer a história do país da música e dos músicos. Entre os lançamentos recentes de livros, por exemplo, temos desde a magnifica biografia de Noel Rosa, por Carlos Didier e João Máximo, até não menos definitiva história da bossa nova contada no bestseller Chega de Saudade, de Ruy Castro. Temos biografias de Vinícius de Moraes, de Orlando Silva, de Ary Barroso, de Elizete Cardoso, de Antonio Carlos Jobim, de Luiz Gonzaga. Biografias escritas à luz da nova história do cotidiano, jornalísticas, ricas, saborosas, sem ranço acadêmico.  
 
Temos também o trabalho do jornalista Tárik de Souza à frente da coleção Ouvido Musical, da Editora 34, com livro após livro sobre o Tropicalismo, os Novos Bahianos, os mutantes, o rock brasileiro. Como os dois surpreendentes volumes de A canção no Tempo, de Zuca Homem de Mello e Jairo Severino, fantástico garimpo em 85 anos de músicas brasileiras de sucesso. A coleção tem planejamento até 2001, vindo por aí, entre outras, biografias de Baden Powell e de Dolores Duran.  
 
São apenas alguns exemplos. Mas, se um dia for contada a história dessa história de recuperação e a atualização da MPB, dois nomes haverão de merecer capítulos especiais: o paranaense Leon Barg, da gravadora Revivendo, e o carioca Almir Chediak, da gravadora e editora Lumiar. Cada um a seu modo, Barg trazendo à tona o passado mais distante e Chediak fazendo o inventário da obra de grandes nomes contemporâneos, desempenham um papel de alta significação.  
 
SONGBOOK - A Lumiar tem lançado dezenas de discos diferenciados. Mas sua pedra de toque é a série Songbook, que começou com livros de partituras e depois juntou a eles CDs, com os autores sendo interpretados pelos grandes da MPB em gravações exclusivas. Estão aí os songbooks de Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Marcos Valle e Edu Lobo, entre outros. E está chegando o mais ambicioso projeto de Chediak: o ciclópico songbook de Chico Buarque.  
 
São quatro livros incluindo 200 partituras e oito CDs com 112 músicas gravadas por mais de 80 intérpretes. 
 
A Revivendo dedica-se, em essência, à recuperação de gravações originais das décadas de 20, 30, 40, 50, a maioria delas jamais relançadas posteriormente. Os quase 150 títulos do catálogo formam, portanto, um manancial de pesquisa único, com primeiros registros de nomes como Vicente Celestino, Francisco Alves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira e todos os astros de cada época, além de intérpretes hoje apagados da memória - mas não da história. 
 
O último projeto de Leon Barg (sempre tendo como seu fiel escudeiro o pesquisador Abel Cardoso Junior, responsável pelos textos dos CDs) é o seu garimpo mais profundo: disco com as primeiras gravações das músicas de Chiquinha Gonzaga. Como símbolo do trabalho da Revivendo, sugiro para quem ainda não conhece a caixa de Lupicínio Rodrigues. São quatro CDs com as gravações originais de 88 músicas do compositor gaúcho, por seus maiores intérpretes, a partir de 1936. 
 
Por que Lupicínio? Porque ele é um bom exemplo da música brasileira que atravessa o tempo, seja na voz de Francisco Alves, seja na de Paulinho da Viola ou de Arrigo Barnabé. Porque ninguém ainda escreveu sua biografia, com a qualidade das biografias a que se refere este texto. 
 
Porque no dia 27 de agosto completaram-se 25 anos de sua morte (naquele ano, 1974, um dos sucessos nacionais era Felicidade, dele, por Caetano Veloso). E porque em 16 de setembro ele comemoraria 85 anos.  
 
Materia editada pela Revista Sucesso CD 
Ano 4 .Número 38 . setembro/99 , escrita por Juarez Fonseca