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Histórias do Carnaval Parte XVII
Ensaios de Carnaval por Leonardo Dantas Silva
O FREVO GRAVADO
A primeira música gravada para o carnaval pernambucano e preservada no acetato só veio acontecer em 1923, quando a Casa Édison, do Rio de Janeiro, fez a gravação da marcha de Nelson Ferreira e J. Borges Diniz, "Borboleta não é ave"(Odeon 122.384), composta para o tríduo do ano anterior e cantada pelos simpatizantes do Bloco Concórdia; segundo informa o Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de fevereiro de 1922.
Aprendendo as letras nos poucos transmissores de rádio, popularizado no Recife a partir de 1923 com o Rádio Club de Pernambuco, nas lojas de discos da Rua Nova, na victrola de casa ou da casa dos amigos, o recifense brincou seus carnavais ao som de frevos, gravados como marcha-nortista do Rio de Janeiro. Comenta o pesquisador Abel Cardoso Junior, na apresentação do CD "Carnaval sua história sua glória"("Revivendo n.º 9"), a propósito do frevo "Não puxa Maroca", composto por Nelson Ferreira para o carnaval de 1930:
"...Não era samba ou tampouco marcha carioca, a primeira música de carnaval gravada, em 1929, pela recém-instalada Victor. Era frevo ou, como se dizia, marcha-nortista. E saiu no quarto disco da série inaugural brasileira, a 32.200, ou seja, no disco 32.203. de autoria do maestro Nelson Ferreira, grande expressão da música pernambucana, teve orquestração e regência de Pixinguinha, à frente da Orquestra Victor Brasileira. Disco raro, tanto que só dois exemplares puderam ser localizados. Dado o seu valor histórico-musical, impunha-se o seu relançamento."
Reorganizado em 17 de outubro de 1923, o Rádio Club de Pernambuco vem popularizar a radiodifusão e se tornar o maior divulgador da música carnavalesca do Recife, dentro e fora das fronteiras do próprio Estado. Sob a direção de Oscar Moreira Pinto, o PRA 8, como era conhecido o Rádio Club, chega ao auge nos anos trinta, quando se transfere para a Avenida Cruz Cabugá, construindo um auditório e formando uma grande orquestra sob a direção de Nelson Ferreira.
O mais importante sucesso do carnaval brasileiro de todos os tempos veio a surgir no carnaval de 1932: uma marcha pernambucana, especialmente composta pelos Irmãos Valença (João Victor e Raul do Rego Valença), inspirada em motivos regionais, foi mandada para RCA Victor do Rio de Janeiro com o título original de "Mulata". Gravada em 21 de dezembro de 1931, com uma nova introdução orquestral e seus versos originais modificados, veio receber o título de "Teu cabelo não nega", acrescido de "Motivos do Norte - Arr. De Lamartine Babo com o grupo da Velha Guarda", sem qualquer menção aos seus verdadeiros autores. A gravação de n.º 33514-B teve como intérprete o cantor, mais tarde humorista, Castro Barbosa. Os irmãos Valença levaram o plágio aos tribunais e a RCA Victor, bem como a editora Irmãos Vitale S.A, foram condenadas a incluir o nome dos dois pernambucanos em todos os selos e edições que se seguiram. - A versão original de "Mulata", bem diferente da que Lamartine Babo compôs, hoje conhecida de todos os foliões do Brasil, só veio aparecer de forma parcial no disco "Carnavalença - Carnaval dos Irmãos Valença"(Rozenblint - LP 900100), produzido pelo autor destas notas para a Fábrica Rozenblit em 1976, tendo como intérpretes o cantor Expedito Baracho, orquestra e coro sob a direção de Nelson Ferreira.
Descobrindo o mercado consumidor do Norte-Nordeste, com divulgação garantida pela PRA 8, as gravadoras do Rio de Janeiro passaram a incluir nos seus catálogos marchas do carnaval do Recife. Só a partir de 1936, é que vieram a ser denominadas de frevo tais composições, surgindo assim a divisão: frevo-canção, em andamento alegro, com cerca de 120 a 160 semínimas (nos dias atuais), com a parte cantada, constando de 16 compassos (quando das primeiras gravações, por vezes apareciam deles com 32 compassos antecedendo ao canto); frevo-de-rua, quando puramente instrumental, em andamento de cerca de 160 semínimas por minuto, geralmente com 16 compassos na primeira parte (introdução), seguindo-se de uma segunda com igual número de compassos (resposta), num diálogo entre palhetas e metais; e o frevo-bloco, sobre o qual já nos reportamos.
Uma pequena mostra da produção da música carnavalesca pernambucana, gravada em discos 78 rotações por minuto, bem demonstra a importância que as companhias gravadoras davam a esta parcela do mercado, destinando inclusive cantores de maior sucesso para intérpretes, a exemplo de Minona Carneiro ("Dedé"), Carlos Galhardo ("Você não gosta de mim" e "O teu lencinho"), Mário Reis ("É de amargar"), Araci de Almeida ("Manda embora essa tristeza"), Francisco Alves ("Júlia" e "Ui, que medo eu tive"!), Nelson Gonçalves ("Quando é noite de lua"), Carmélia Alves ("É de fazer chorar"), Severino Araújo ("Vassourinhas"), Jackson do Pandeiro ("Micróbio do frevo"), Zacarias ("Gavião" e "Frevo na Rua Nova"), Diabos do Céu ("Diabo Solto"), Guerra Peixe ("Vassourinhas"), Odete Amaral ("O mandarim"), só para citar alguns de tão extensa lista.
Mas, apesar do elevado número de discos produzidos pela RCA, Odeon o outras gravadoras, aos ouvidos dos pernambucanos soava falso e não combinava com a vibração dos frevos que se estava acostumado a ouvir nas ruas e salões. Na opinião de Valdemar de Oliveira, in Frevo, capoeira e passo (1971), "a execução do frevo reclamava sangue pernambucano [...] As notas certinhas, sim, mas o andamento errado, o ritmo frouxo. foi necessário reescrever as instrumentações, controlar a execução, encrespar os músicos".
Esta dificuldade técnica de leitura e execução dos frevos pernambucanos é vista com muita propriedade pelo maestro (César) Guerra Peixe (1914-1993): "Uma particularidade tem feito com que o frevo conserve o seu vigor rítimico, a importância de sua orquestração e as características de sua forma: é o fato de seu compositor ser não um orelhudo, mas, sempre, um músico, que o imagina numa orquestra que, imediatamente, dá forma gráfica musical à sua inspiração. - O resultado é que, na composição do frevo, a própria instrumentação é também composição. A não ser em raras exceções, o compositor do frevo é o seu orquestrador".
Para suprir tal lacuna, particularmente no andamento, no desempenho dos metais e na percussão, mais para marchinha carioca do que para frevo pernambucano, foi enviado ao Rio de Janeiro o competente maestro Zuzinha (José Lourenço da Silva, 1889-1952), regente da Polícia Militar de Pernambuco, com a missão de ensaiar as orquestras responsáveis pelas gravações das músicas vencedoras do concurso promovido anualmente pela Federação Carnavalesca Pernambucana. Zuzinha era um dos "monstros sagrados" do frevo instrumental. Foi ele, no depoimento de Mário Mello (1884-1959), na contra-capa do LP "Mocambo" 10021, matriz MR-050/MR-051, o responsável pela transformação da polca-marcha em marcha-frevo no início deste século. A primeira era constituída de uma introdução instrumental, propícia à coreografia dos passistas, seguindo-se de uma segunda, em andamento moderado, destinada ao canto da multidão. Na marcha-frevo, porém, à introdução também instrumental em 16 compassos seguia-se, no mesmo andamento, uma segunda parte, também instrumental, que os músicos denominavam de resposta, geralmente a cargo das palhetas, surgindo assim o diálogo entre metais (trombones, trompetes) e madeiras (clarinetes e requinta), característica principal desse gênero de frevo. A esta composição de Zuzinha, relembrada por Mário Mello, que a executava numa gaita de boca, Nelson Ferreira batizou com o título de "Divisor de águas", integrando-a ao repertório daquele disco: "Carnaval do Recife antigo". O disco, produzido pela Fábrica Rozenblit com selo Mocambo, contou com a ilustração da capa de Lula Cardozo Ayres e o concurso da orquestra de Nelson Ferreira executando os principais frevos das agremiações carnavalescas em atividade no início do século no Recife.
SUPLEMENTO CULTURAL
Diário Oficial. O Estado de Pernambuco.
Ano X. Fevereiro de 1997.
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