Histórias do Carnaval Parte XI
Ensaios de Carnaval por Leonardo Dantas Silva
O LIRISMO DAS RUAS
Na segunda década deste século, a paisagem musical do carnaval de rua do Recife resumia-se, além das loas dos maracatus e toadas dos bumbas-meu-boi, a marcha-carnavalesca pernambucana nas suas formas instrumental, e cantada. Nesta última a fanfarra fazia o acompanhamento do coro uníssono, formado pela multidão em desfile, a exemplo das execuções das marchas "Se essa rua fosse minha" e "Eugênia", ambas do repertório do Clube Vassourinhas.
No início dos anos vinte, porém, começaram a surgir no Recife, os blocos carnavalescos que assim vieram acrescentar ao mosaico folclórico de então mais um gênero musical: a marcha-de-bloco. Trazendo uma introdução vibrante, em andamento allegro, bem à moda das contagiantes jornadas dos pastoris e presepes, seguindo-se do acompanhamento de um coro de vozes femininas, a entoar aos quatro ventos versos chistosos ou de um lirismo sem igual, a marcha-de-bloco era complemento que estava a faltar ao frevo instrumental e ao frevo cantado das ruas.
Ao contrário dos clubes pedestres, que têm suas origens em grupos de trabalhadores urbanos de uma mesma categoria ou vizinhos de um mesmo bairro ou arrabalde, o bloco carnavalesco surgiu das reuniões familiares dos bairros de São José, Santo Antônio e Boa Vista, bem como de povoações como Torre, Tejipió, Afogador, Encruzilhada, Beberibe, Madalena, Rosarinho, como uma extensão dos presepes e procissões Dom queima da lapinha na noite dos Santos reis, em voga na sociedade de então.
O bloco carnavalesco veio proporcionar condições ao elemento feminino de participar do carnaval das ruas centrais do Recife, protegido da mistura da massa que acompanhava os clubes e troças. Era formado geralmente por moças e senhoras da chamada pequena burguesia que, não podendo participar dos bailes do Club Internacional ou do Jóquei Club, então privilégio das elites, saíam às ruas protegidas por um cordão de isolamento, envolvendo todo o grupo e separando-o da multidão, sob a severa vigilância de pais, maridos, irmãos, noivos, genros e amigos.
Já afeito às jornadas dos presepes, o elemento feminino formava o coral do bloco, enquanto os homens encarregavam-se da orquestra, bem típica dos saraus e serenatas de então, formada por violões, violinos, violas, cavaquinhos, bandolins, banjos, flautas, clarinetos, gaitas de boca (realejos), saxofones, contrabaixos, bombardismos, pandeiro, ganzá, reco-reco, surdo e caixa-clara (tarol). Tal estrutura de conjunto, onde predominam as cordas, madeiras e palhetas, veio a ser denominado popularmente de orquestra de pau e cordas. O grupo vinha às ruas trajando a mesma fantasia, por vezes vestidos e camisas estampadas de um mesmo tecido, chapéus de palha para os homens e flores nas cabeças das mulheres, tendo a abertura um artístico cartaz, em forma de grande leque aberto a decupage, depois denominado de flabelo, onde aparecia vazado o nome da agremiação. O passo rasgado, como registrado nos cordões dos clubes e troças, não era permitido, mas tão somente ter uma evolução bem característica às apresentações dos cordões azul e encarnado, mantendo em sua cadência os mesmos passos utilizados quando da execução das jornadas daquele evento natalino.
O primeiro foi o Bloco das Flores Brancas, logo transformado em Bloco das Flores, pelo surgimento de um pretenso rival, O Bloco Saúde da Mulher. O primeiro dos blocos tinha como sede a casa do seu fundador, Pedro Salgado Filho, na Rua Imperial, e veio a ser famoso pelo concurso do renomado musicista e compositor Raul Moraes (1891-1937), conforme informa o Diário de Pernambuco, em sua edição de 20 de fevereiro de 1924.
Na mesma época do aparecimento do Bloco das Flores, surgiram o Batutas da Boa Vista, no Pátio da santa Cruz, e o Bloco Concórdia, que teve como fundador o musicista e compositor Raul Moraes (1891-1937), conforme informa o Diário de Pernambuco, em sua edição de 20 de fevereiro de 1924.
Na mesma época do aparecimento do Bloco das Flores, surgiram o Batutas da Boa Vista, no Pátio da Santa Cruz, e o Bloco Concórdia, que teve como fundador o musicista e compositor Nelson Ferreira (1902-1976). Para este bloco ele compôs, juntamente com J. Borges Diniz o primeiro grande sucesso do carnaval do Recife, gravado em disco pela Casa Édison do Rio de Janeiro em 1923 (Odeon n.º 122.384), interpretado pelo cançonetista Bahiano. O Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de fevereiro de 1922, traz na sua secção carnaval a seguinte notícia: "...uma das composições musicais escritas especialmente para o Bloco Concórdia é "Borboleta não é ave", da lavra do maestro Nelson Ferreira, regente da Orquestra do Teatro Moderno, com versoso de J. Borges Diniz. Esta marcha agradou muito às pessoas que a ouviram."
SUPLEMENTO CULTURAL
Diário Oficial. O Estado de Pernambuco.
Ano X. Fevereiro de 1997.
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