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Histórias do Carnaval Parte III
Ensaios de carnaval por Leonardo Dantas Silva
QUANDO O MARACATU ERA CASO DE POLÍCIA
No Recife a denominação maracatu se confundia com o batuque e servia, a partir da primeira metade do século XIX, para denominar um ajuntamento de negros em determinado lugar, como por ocasião da fuga da escrava Catarina, anotada por José Antônio Gonsalves de Mello em consulta à edição do Diario de Pernambuco de 1º de julho de 1845:
"Em o dia 2ª feira do Espírito Santo do ano próximo passado, fugiu a preta Catarina, de nação Angola, ladina, alta, bastante seca de corpo, seio pequeno, cor muito preta, bem feita de rosto, olhos grandes e vermelhos, com todos os dentes da frente, pés grandes metidos para dentro, muito conversadeira e risonha, de idade de 22 anos; tem sido encontrada na Estrada da Nova da Passagem da Madalena e no Aterro dos Afogados, vendendo verduras e aos domingos no maracatu dos coqueiros do dito Aterro, e há notícia de ser o seu coito certo a matriz da Várzea; cuja escrava pertence a Manoel Francisco da Silva, morador na Rua Estreita do Rosário, 10, 3º andar, ou em seu sítio em Santo Amaro, junto à igreja, o qual gratificará generosamente a quem lh`a apresentar".
Na sessão extraordinária da Câmara Municipal de Recife de 28 de abril de 1851, foi oficiado ao desembargador Chefe de Polícia "uma petição do preto africano Antônio Oliveira, intitulado Rei do Congo, queixando-se de outro que, sem lhe prestar obediência, tem reunido os de sua nação para folguedos públicos, a fim de que o mesmo desembargador providenciasse em sentido de desaparecer semelhantes reuniões, chamadas vulgarmente de maracatus, pelas conseqüências desagradáveis que delas podem resultar" (Diario de Pernambuco, 27.05.1851).
O folguedo do maracatu, semelhante aos bailes e batuques organizados pelos pretos de Angola ao tempo do governador José César de Menezes (1774-78), objeto de denúncia à Inquisição de Lisboa por parte dos frades capuchinhos do Convento de Nossa Senhora da Penha do Recife (ANTT-Cartório da Inquisição n.º 4740), foi sempre alvo de censuras por parte das classes dominantes e de perseguição policial; segundo denúncia do mesmo jornal, em sua edição de 11 de novembro de 1856, ao tratar do maracatu da praça da Boa Vista.
Os cortejos dos reis negros eram geralmente anotados pela imprensa, quando das festas de Nossa Senhora dos Prazeres e nas do Rosário de Santo Antônio, como descreve o Diario de Pernambuco, em sua edição de 20 de outubro de 1851:
"...percorrendo à tarde algumas ruas da cidade, divididos em nações, cada uma das quais tinha à frente, o seu rei acobertado por uma grande umbela ou chapéu-de-sol de variadas cores (tratava-se do cumbi). Tudo desta vez se passou na boa paz e sossego, porquanto a polícia, além de ter responsabilizado, segundo nos consta, o soberano universal de todas as nações africanas aqui existentes, por qualquer distúrbio que aparecesse em seus ajuntamentos, não deixou por isso de vigiá-los cuidadosamente".
Nos anos setenta do século XIX é descrita a presença desses cortejos de reis negros durante o carnaval, como noticia o Diario de Pernambuco, em sua edição de 10 de fevereiro de 1872, ainda sem a denominação de maracatus;
"No dia 11 do corrente saíra da Rua de Santa Rita Velha (bairro de São José) a nação velha de Cambinda, a qual vai em direitura à Rua das Calçadas buscar a sua rainha, e depois percorrerá diversas ruas, e às 3 horas se achará em frente à igreja do Rosário (de Santo Antônio) onde se soltarão algumas girândolas de fogo e uma salva de 21 tiros; dali seguirá para o Recife e na Rua do Bom Jesus voltará com a vice-rainha de sua nação".
O maracatu era considerado então a reunião de negros, um o batuque, na acepção de "dança africana ao estrépido de instrumentos de percussão" (Pereira da Costa), mas não o cortejo real que levava às ruas a corte dos reis negros, como faz ver o extenso editorial do mesmo jornal, publicado em 18 de maio de 1880:
"Há tempos, que indicamos um maracatu que costuma reunir-se quase no extremo norte do cais do Apolo, na freguesia de S. Pedro Gonçalves do recife; hoje temos notícia exata de dois outros, dos quais os vizinhos têm as mais cruéis recordações. Juntam-se estes na freguesia da Boa Vista, um na Rua do Giriquiti, outro na Rua do Atalho. Neste último, anteontem, houve uma grande assuada e barulho, chegando a aparecer diversas facas de ponta. Felizmente, não se deram ferimentos, mas não esteve longe de assim acontecer. Urge, repetimos, providenciar em ordem a que cessem, desapareçam tão selvagens instrumentos, e o Sr. Dr. Chefe de Polícia, que volveu suas vistas contra as casas de tavolagem, deve também dirigir sua atenção para os maracatus."
O maracatu, na verdade, era tão somente o batuque dos negros, com localização fixa em determinado bairro da cidade. O cortejo real, como no caso anteriormente citado da "nação velha de Cambrinda", não parece ser a mesma coisa. A conclusão é reforçada pelo depoimento do carnavalesco João Batista de Jesus, "Seu Veludinho", do maracatu Leão Coroado, que segundo a tradição, faleceu com 110 anos, prestado à pesquisadora Katarina Real, em janeiro de 1966; (in O folclore no carnaval do Recife. Recife: Editora Massangana, 1990. 2ª ed., p. 184):
"Maracatu nem tinha o nome de maracatu. O nome era nação. Uma "nação" mandava ofício para outro "estando". Surgiu essa palavra pelos homens grandes...quando ouviram os baques dos bombos, chamaram `aquele maracatu`."
SUPLEMENTO CULTURAL
Diário Oficial. Estado de Pernambuco.
Ano X. Fevereiro de 1997
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