O frevo mais que centenário
O frevo mais que centenário
Leonardo Dantas Silva
Como bem nos ensinou o saudoso Capiba, o mais importante compositor pernambucano do século XX: Pernambuco tem uma dança / Que nenhuma terra tem./ Quando a gente entra na dança / Não se lembra de ninguém... [...] É uma dança, que vai e que vem / Que mexe com a gente / É frevo meu bem!”
Não há o que discutir, nisso estão concordes todos os pesquisadores, foi no Recife que o frevo – dança e música – surgiu, criou raízes, consolidou-se nos fins do século XIX e início do século XX, muito embora continui, ainda nos nossos dias, em permanente evolução musical e coreográfica.
O primeiro registro do vocábulo frevo na imprensa do Recife é revelado pelo pesquisador Evandro Rabello, in Diario de Pernambuco, 11 de fevereiro de 1990, citando a edição do Jornal Pequeno (Recife), sábado de carnaval 9 de fevereiro de 1907, ao anunciar o repertório do Clube Empalhadores do Feitosa: “Empalhadores do Feitosa, em sua sede que se acha com uma ornamentação belíssima, fez ontem esse apreciado clube o seu ensaio geral, saindo após em uma bonita passeata, a fim de buscar o seu estandarte que se acha em casa do Sr. Alfredo Bezerra, sócio emérito do referido clube. O seu repertório é o seguinte: Marchas – Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois Pensamentos e Luiz do Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Ária – José da Luz; Tango – Pimentão. Agradecemos o convite que nos foi enviado para o 2º dia de carnaval (grifo nosso).”
O outro registro do vocábulo, “atribuído” ao cronista Paula Judeu (Oswaldo da Silva Almeida), surge no mesmo Jornal Pequeno de 12 de fevereiro de 1908, na coluna “Carnaval”, assinada por aquele jornalista, sob o pseudônimo Pierrot, a partir de 31 de janeiro daquele ano.
No ano seguinte, em sua edição de 22 de fevereiro de 1909, o mesmo Jornal Pequeno traz na sua primeira página uma interessante gravura com a frase Olha o Frevo, anunciando os festejos carnavalescos daquele ano.
Pereira da Costa, em seu Vocabulário Pernambucano (1976), comenta: “O termo frevo vulgaríssimo entre nós apareceu pelo carnaval de 1909: Olha o Frevo!; era a frase de entusiasmo que se ouvia no delírio da confusão e apertões do povo unido, compacto, ou em marcha acompanhando os clubes.”
Mas, o próprio vocábulo frevo já fazia parte do linguajar das ruas, da fala do povo, como lembrava o escritor Hermógenes Viana (1890-1977), em testemunho pessoal, ao lembrar que nos primeiros anos do século XX, quando ainda era ele criança e residia na Rua da Imperatriz, os ensaios do Clube Cara Dura, com o seu famoso teatro João Minhoca, instalado em cima de um carro puxado por parelhas de cavalos, seguido de outro levando a banda do Zé Pereira, era acompanhado por vibrantes multidões de foliões.
Formado por oficiais do Exército, dos batalhões 14 e 40, o Cara Dura era a coqueluche das noites dos sábados que antecediam ao carnaval. Segundo o nosso informante, ao burburinho formado pela turba que o seguiam dava-se a denominação de “frevedouro”.
Na segunda década do século XX o vocábulo e seus derivados aparecem com freqüência no noticiário carnavalesco da imprensa do Recife:
• “O apertão do frevo, nesse descomunal amplexo de toda uma multidão que desliza, se cola, se encontra, se roça, se entrechoca, se agarra” (Jornal do Recife nº 65, 1916).
• “O frevo que mais consola,/ O que mais nos arrebata,/ É o frevo que se rebola/ Ao lado de uma mulata” (Diario de Pernambuco nº 66, 1916).
• “Os rapazes souberam arranjar uma orquestra tão boazinha, que vem dar uma vida extrapiramidal ao rebuliço do frevo” (O Estado de Pernambuco nº. 48, 1914).
• “O clube levará em um dos seus carros uma pipa do saboroso binho berde para distribuir com o pessoal da frevança” (Jornal Pequeno nº 39, 1917).
• “Do mundo a gente se esquece/ Pinta a manta, pinta o bode,/ E se o frevar recrudesce/ Mais a gente se sacode”. (Diario de Pernambuco nº. 66, 1916).
O escritor Rodolfo Garcia, em seu Dicionário de Brasileirismos – Peculiaridades Pernambucanas, transcrevendo o nº 32 de A Província, Recife 1913, assim registra: O Frevo, palavra exótica / Tudo que é bom diz, exprime / É inigualável, sublime, / Termo raro, bom que dói... / Vale por um dicionário, / Traduz delírio, festança, / Tudo salta, tudo dança, / Tudo come, tudo rói...
O vocábulo, como revelou Evandro Rabelo, aparece pela primeira vez na imprensa em 9 de fevereiro de 1907; mas, como dança e marcha carnavalesca a animar o nosso carnaval, o frevo pernambucano já reinava em nossas ruas movimentando as massas e animando os cordões das agremiações desde o final do século XIX.
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