Histórias do Carnaval Parte VI
Ensaios de carnaval por Leonardo Dantas Silva
E VEIO O FREVEDOURO
Em 1905, alugavam-se cavalos, janelas e varandas da rua Nova e Imperatriz para os três dias de carnaval
Ao se deslocar com o seus carros alegóricos de um local para o outro, geralmente para os pátios dos bairros da Boa Vista, Santo Antônio e São José, do Clube Cara-Duras arrastava no seu trajeto uma grande multidão de simpatizantes, sequiosa por novas apresentações e novas gargalhadas. Durante o deslocamento, a banda musical executava marchas e polcas aceleradas, o que levava os seus seguidores ao delírio.
Confirma o escritor Hermógenes Viana (1890-1977), em depoimento prestado ao compositor Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa), publicado parcialmente na contra-capa do disco Mocambo LP 40039, "Capiba: 25 anos de frevo", que a esse ajuntamento, o burburinho formado pelos perseguidores do Clube Cara-Dura, era denominado de frevedouro e os seus passos, no acompanhamento das polcas e marchas, tornavam-se cada vez mais acelerados. - "Evidentemente, a música já não poderia ter a cadência de ária, então usada pelos cordões carnavalescos", observa com muita propriedade Capiba.
Não se pense que as famílias da alta sociedade, ou mesmo classe média de então, estariam entre os seguidores do Cara-Dura. O público apreciador do frevedouro era geralmente formado por homens da classe-média, que compareciam às ruas sem suas mulheres e filhas, operários urbanos, pobres e remediados, não faltando, para lembrar a imagem de Valdemar de Oliveira, os mais lídimos representantes da "canalha das ruas": capoeiras, brabos, desordeiros, negras de ganho, prostitutas, antigos escravos, marítimos em trânsito, carregadores de fretes, empregadas domésticas, moleques desocupados e toda uma malta de gente considerada, naqueles tempos, perigosa.
Naquela confusão, em tamanho rebuliço, efervescência de sons e vozes, apertões de corpos suados, estava surgindo aquilo que, anos depois, a sabedoria popular veio sintetizar num só vocábulo: frevo. Era o embrião do frevo já presente nas ruas, na corrutela de frevedouro, e que logo vai se cristalizar na denominação e no compasso binário das marchas carnavalescas pernambucanas, trazendo de arrastão a onda efervescente de tresloucados foliões a improvisar, no seu delírio coletivo, complicados passos.
No final do século XIX e início deste, o Carnaval do Recife era promovido nos salões, pelas sociedades recreativas, com seus saraus dançantes, bailes de máscaras e concursos de fantasias; nas ruas, a organização ficava por conta das comissões de moradores, que encarregavam da iluminação e decoração, ficando a animação a cargo dos clubes de alegorias e críticas, que reunia a fina flor da burguesia, seguindo-se dos clubes pedestres, maracatus, caboclinhos, bumbas-meu-boi, grupos de mascarados, cabendo a parte musical ao repertório das bandas de música, civis e militares, que ocupavam os coretos ou acompanhavam tais sociedades carnavalescas nos seus passeios.
No carnaval de 1885, a edição de 15 de fevereiro do Diario de Pernambuco anuncia bailes públicos no teatro Santo Antônio e na Cervejaria Nova Hamburgo, além das festas carnavalescas do "Sorvete Familiar, à Rua Barão da Vitória", e brinquedos como "bisnagas pó de ouro, pó de prata e pó de arroz e de extrato de todas as qualidades." As fantasias poderiam ser encontradas "não só para homens, como também para senhoras e meninos. Destes vestuários se notam diversos gostos, como sejam: Luiz XV, Luiz XVI, Chicards, Pierrots, dominós de seda cetim, veludo, etc. vende-se e aluga-se, desde o diminuto preço de 500 rs. até 50$000. Abrir-se-á a exposição na Rua Duque de Caxias n.º 25, em casa do bem conhecido Anselmo".
Informa Rita de Cássia Barbosa de Araújo que a partir de 1901 tornaram-se freqüentes, pelos jornais, anúncios oferecendo para alugar janelas, varandas, salas e mesmo todo andar de sobrados para os três dias de carnaval. Os imóveis situavam-se em locais privilegiados, como as ruas Nova e da Imperatriz, como aquele anúncio do Jornal Pequeno, de 9 de fevereiro de 1904, que oferecia "a sala de um segundo andar, à Rua Nova, podendo a respectiva sacada comportar 15 pessoas". Em 1905 vendia-se, ou alugava-se, cavalos para o carnaval - "vende-se um cavalo pisando baixo, manso, gordo, perfeito e bonito e um dog-cart para quatro pessoas, elegante completamente novo, com o competente cavalo aparelhado do que há de melhor" (Jornal Pequeno, 17 de fevereiro de 1908). Cinco anos depois, em 1910, Galvão & Cia. alugava um automóvel "Charaban com 14 lugares a 10$000 por pessoa acompanhando o itinerário dos carros desde 4 horas da tarde às 8 horas da noite" (Jornal Pequeno, 5 de fevereiro de 1910), o mesmo acontecendo com a Garagem Ford, que avisava não circular pelas ruas de grande movimento, a exemplo das atuais Imperatriz, Nova e Primeiro de Março.
Os clubes de alegorias e críticas abriam o carnaval, com os seus ruidosos Zés Pereiras, fazendo grandes alardes com seus grupos de cavalarianos, desfilando em grandes carros puxados por várias parelhas de cavalos, ao contrário dos clubes pedestres, com seus associados recrutados no operariado urbano e cujos "passeios" eram realizados em grandes passeatas carnavalescas, acompanhadas por bandas de música, entoando cânticos e encenando bem ensaiadas manobras.
SUPLEMENTO CULTURAL
Diário Oficial. Estado de Pernambuco.
Ano X. Fevereiro de 1997
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