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Biografias |
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Herivelto Martins
O dia esteve "enevoado" e quente pela manhã, e ao cair da noite, desabou forte carga d`água. A loteria na capital Federal enriquecia com 20.000$00 o dono do bilhete nº 15647 – na política havia a realização em todo o Brasil das eleições para a constituição da nova Câmara e a do terço da Bahia. Tudo isso noticiado no Jornal do Commercio em sua edição 3.847, no dia 30 de Janeiro de 1912.
Ah! Se fosse possível prever o futuro de cada um de nós, certamente seria manchete dos jornais da época, a notícia do nascimento de um menino louro de olhos azuis, que seria – na música negra alegre brasileira – um dos melhores compositores de todos os tempos, de nome Herivelto de Oliveira Martins. Nasceu na cidadezinha de Rodeio ( hoje Paulo de Frontin ), no Estado do Rio de Janeiro.
Aos quatro anos de idade, seus pais mudaram-se para Barra do Piraí. O velho Felix Bueno Martins já trazia nas veias algo de artista: era comprometido com o teatro local, e também o presidente da Sociedade Dançante Carnavalesca Florescente Barra do Piraí. Lá, Herivelto ficou até 1929.
Tendo tido um imperfeito aprendizado de barbeiro, preferiu trocar o fio da navalha pelo fio melódico do violão, e foi à luta. Chegando ao Rio de Janeiro, em 1931, conheceu J. B. de Carvalho, responsável pelo Conjunto Tupi, no qual logo se integrou como corista. Com o conjunto, gravou um samba de sua autoria, que relembrava seu namoro com a Leonor, na rua do carvão, em Barra do Piraí, intitulado Da Cor do meu Violão. Com o parceiro do grupo, de nome Francisco Senna, organizou a Dupla do Preto e do Branco. Falecido Senna em 1935, forma nova dupla com Nilo Chagas.
Nessa época, conhece, no cine Pátria, em São Cristóvão, Dalva de Oliveira. Passam os três a cantar juntos e ganham de Cézar Ladeira o nome de batismo: Trio de Ouro, primeiro no mundo composto por duas vozes masculinas e uma feminina. Com o progresso musical do trio, Herivelto casa-se em 1938 com Dalva e recebe cartas sugerindo o nome do primeiro rebento que estava chegando: Peri ( hoje o cantor Peri Ribeiro ), em alusão à primeira gravação do trio: Itaquari no lado A e Peri e Ceci no lado B; depois veio o segundo filho, Ubiratã.
O matrimônio não deu certo, e houve a separação seguida de pol6emica musical. Caminhemos ( 1947 ), Caminho certo ( 1951 ), Cabelos Brancos ( 1949 ), Segredo ( 1947 ) fizeram parte da discussão. Reorganiza o trio em diversas vozes. Em 1950, com Noemi Cavalcanti e Nilo Chagas; em 1952, com Raul Sampaio e Lourdinha Bittencourt. Em 1980, com a morte de Lourdinha, estréia com Shirley Dom, no Teatro João Caetano , ao completar cinqüenta anos de música popular brasileira. Era a Quarta cantora a integrar ao trio iniciado em 1936.
A apresentação se deu no show Seis e meia debaixo de aplausos calorosos da platéia, durante uma semana inteira. Em sua longa e brilhante carreira, os êxitos se sucederam, um após outro. Mais músicas, parceiros amigos, como seu compadre Benedito Lacerda e David Nasser, e faz: Acorda escola de samba ( 1937 ), a dança do funiculi ( 1940 ), Palhaço ( 1947 ), A lapa ( 1950 ), Negro telefone ( 1953), Camisola do Dia ( 1953 ). Carlos Gardel ( 1954 ), Pensando em ti ( 1957 ), Mamãe ( 1959 ).
Ele, que nascera no ano em que houve dois carnavais ( 1912 ), participou com toda a força dessa festa deliciosamente louca com composições suas nas vozes de Sílvio Caldas, Francisco Alves, Castro Barbosa e de seu próprio trio. Fez surgir Praça Onze ( 1942 ), Laurindo ( 1943 ), que passou a ser figura lendária de morro, Odete ( 1944 ) e Izaura ( 1945 ).
E mais: colocou o apito como instrumento de sopro no samba e organizou a mais perfeita escola de samba estilizada do rádio brasileiro. Foi um verdadeiro rei sem coroa, sem castelo e sem rainha, como disse nos versos do bonito samba Que rei sou eu ? ( 1945 ), que hoje é título de novela da TV Globo.
Através de suas músicas. Exaltou os morros cariocas, particularmente o de Mangueira, numa época em que passista era sinônimo de malandro e desordeiro ( "eu sou do tempo que o malandro não descia/mas a política no morro também não subia" ).
Herivelto Martins, que conheceu de perto esse povo carente que vive nas encostas da cidade, compôs em sua homenagem a prece musical, obra-prima da canção popular brasileira: Ave Maria no morro ( 1942 ). Sofreu pressão. O Cardeal Leme botou pé firme – o prelúdio era adoção da igreja – música sacra de Gounod.
O "galinho de briga", seu carinhoso apelido, foi à luta e venceu. Mais tarde, a Santa Sé trocou a de Gounod pela de Schubert. A do morro foi gravada, editada e executada com entusiasmo em todos os países, pelas mais consagradas orquestras e pelos intérpretes mais notáveis do mundo; na Europa passou a ser cantada até nas igrejas.
Em 1954 – Herivelto recebe medalha de ouro instituída pela Revista do Rádio – é eleito o melhor compositor do ano. Marca sua passagem pelo mundo afora. Seu repertório é maciço e tornar-se difícil homenageá-lo, as estações de rádio cortam `um dobrado` para espremer e exprimir a vida musical do dono do trio de Ouro, como está acontecendo comigo agora.
Em 7 de dezembro de 1987 recebeu, no Teatro Municipal, o cobiçado troféu Prêmio Shell, num tributo ao seu gênio. Hoje Herivelto Martins continua seguindo seu caminho. Vez por outra olha para trás e vai-se lembrando dessa estrada já trilhada de tristezas, alegrias, brigas e reconciliações, onde o telefone, o violão e o perfume de mulher bonita já não são temas desse mundo estranho, onde o amor é um hormônio e o pandeiro, um instrumento musical, mas que ainda cantam suas canções. Caminhemos, Herivelto Martins – Talvez nos vejamos depois!
OSMAR FRAZÃO / 1989
Referencias bibliográficas: Encarte do ATR 3012 Acervo Funarte Música Brasileira
O texto acima não representa a biografia completa do artista, mas sim, partes importantes de sua vida e carreira.
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