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Histórias do Carnaval Parte II
Ensaios de carnaval por Leonardo Dantas Silva
MARACATU É NOTÍCIA EM PERNAMBUCO DESDE 1666
A coroação dos reis negros já era conhecida na França e Espanha no século 15
O maracatu, da forma hoje conhecido, tem suas origens na instituição dos Reis Negros, já conhecida na França e Espanha, no século XV, e em Portugal, no século XVI, passando para Pernambuco, onde encontramos narrativas e documentos sobre tais coroações de soberanos do Congo e de Angola, a partir de 10 de setembro de 1666, segundo o testemunho de Souchou de Rennefort, in Histoire des Indes Orientales, publicado em Paris, 1688. As coroações de reis e rainhas de Angola na igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Santo Antônio do Recife são documentadas a partir de 1674, segundo documentação por nós reunida (in Alguns documentos para a história da escravidão. Recife: Editora Massangana, 1988).
Os reis negros, em especial o Rei do Congo, que possuía uma hierarquia própria sobre os membros das demais nações africanas aqui residentes, compareciam às festas religiosas protegidos pela umbela, um grande pálio redondo, ladeado por dignatários de suas expectativas cortes, sendo o cortejo aberto pela bandeira da nação, juntamente com outras bandeiras arvoradas, e acompanhados por instrumentos de percussão, nem sempre ao gosto da população branca, como se depreende na observação do Padre Carapuceiro: "Alguns desses chapelórios ainda há poucos anos apareciam nos batuques dos pretos em dias de Nossa Senhora do Rosário, cobrindo o figurão chamado de rei dos congos" (Diario de Pernambuco, 15.3.1843).
Cumbi, um costume africano
O grande guarda-sol colorido sob o qual vinha amparado o rei de cada nação, como fora observado pelo Padre Carapuceiro, em artigo publicado no Diario de Pernambuco de 15 de março de 1843, era denominado cumbi pelos africanos. Inicialmente pensou-se que esta grande umbela havia sido transplantada do cerimonial da igreja católica, onde é utilizada como proteção ao santo viático, quando de sua saída às ruas, conforme bem retratou Emil Bauch, em uma de suas cromolitografias tomadas da calçada da igreja matriz da Boa Vista, no Recife (c.1852).
Acontece que o cumbi tem sua origem africana, segundo notas que me foram cedidas pelo historiador José Ramos Tinhorão. Olfert Dapper, escritor célebre pelas suas narrativas de viagens, registrou o uso do cumbi pelos reis africanos no seu livro Nauwkaurine Beschrijuing der Afrikaansche gewesten (Minuciosa descrição das regiões africanas), publicado em Amsterdam (1668), depois traduzido para o francês sob o título Descripition de l`Afrique (Amsterdam: Boom & van Someren, 1686).recentemente, na contra-capa do livro Africa - History of a continent, de Brasil Davidson (Londres: Spring Brooks, 1978), aparece uma gravura do livro de Bowdich, Mission from Cape Coast to Ashantee (1819), onde aos sobas negros comparecem à festa do inhame amparados pelos respectivos cumbis, cada qual encimado por figura de seu animal protetor (tigre, serpente, galo e elefante), sendo seguidos dos seus séquitos trazendo instrumentos de percussão, buzinas, bandeiras, lanças, tudo bem de acordo com o desfile dos nossos maracatus.
Ainda na mesma obra, é registrado o séquito do rei negro Nana Owusu Sampa III, carregado em seu trono, por ocasião da festa do inhame promovida pelos ashantes, em 5 de dezembro de 1964, protegido por três grandes umbelas, à frente de um cortejo em tudo parecido com o desfile dos maracatus nas ruas do Recife.
Os ashantes, segundo informa em depoimento pessoal o pesquisador Hélio Moura, da fundação Joaquim Nabuco e com estágio em Angola, pertencem aos povos Akan de Gana e ocupam metade do país. Os Akan falam dialetos bem parecidos entre si, conhecidos pelo nome genérico do Tki, que é uma língua sudanesa da subfamília Kwa. O dialeto falado pelos ashante é o ashan. Depois que gana tornou-se independente em 1957 foi criada a região Bong`Ahaso, com base nas terras ashantes. A capital desta região é a cidade de Kumasi.
No Recife, os cortejos dos soberanos negros, trazendo os seus reis e rainhas, não saíam no período do carnaval, mas tão somente por ocasião de suas festas religiosas ou em ocasiões outras como o embarque de africanos libertos de volta à mãe África. A presença de "batuque do Rei do Congo" no carnaval do Recife só vem a ser registrada a partir do final dos anos cinqüenta do século XIX.
O maracatu no carnaval
Com a abolição da escravatura negra, em 1888, e a proclamação da República, em 1889, a figura do Rei do Congo - Muchino Riá Congo - perdeu a sua razão de ser. Os cortejos dos reis negros, já presentes no carnaval, por sua vez, passaram a ter como chefe temporal e espiritual os babalorixás dos terreiros do culto nagô e vieram para as ruas do Recife, não somente nos dias de festas religiosas em honra de Nossa Senhora do Rosário, mas também nas festas carnavalescas.
No passado, o Rei do Congo também comparecia aos festejos carnavalescos, juntamente com o seu séquito real, conforme alusão do noticiário do Jornal do Recife de 12 de março de 1859 - "também não faltou o célebre bumba-meu-boi, o apreciável fandango e a cena do Rei do Congo"-; no ano seguinte, em sua edição de 25 de fevereiro, o mesmo jornal nos dá notícia do "batuque do Rei do Congo e do clássico bumba-meu-boi". Ainda no Jornal do Recife, na edição carnavalesca de 4 de março de 1862, há uma alusão ao "cediço bumba-meu-boi", os repugnantes negros fugidos e as africanas cenas do Rei do Congo e seu séquito, foi o que se viu passar pelas ruas desta cidade".
Após a abolição, porém, os antigos cortejos das nações africanas, que continuaram a se fazer presentes no carnaval do Recife, então sob a chefia dos seus babalorixás, passaram a ser chamados de maracatus, particularmente quando a notícia tinha conotação policial.
Ainda nos nossos dias, ao que se depreende do depoimento do presidente da Nação do Leão Coroado, Luiz de França, atualmente com 95 anos, "para conversar pouco, só digo que o maracatu é da seita africana". (Diario de Pernambuco, 14 de janeiro de 1996).
A mais tocante descrição de um maracatu carnavalesco do início do século vem de Francisco Augusto Pereira da Costa (1851-1923) que, em 1908, assim relata o cortejo no seu Folk-Lore Pernambucano:
"Rompe o préstito um estandarte ladeado por arqueiros, seguindo-se em ala dois cordões de mulheres lindamente ataviadas, com os seus turbantes ornados de fitas de cores variegadas, espelhinhos e outros enfeites, figurando no meio desses cordões vários personagens, entre os quais os que conduzem os fetiches religiosos, - galo de madeira, um jacaré empalhado e uma boneca de vestes brancas com manto azul - ; e logo após, formados em linha, figuram os dignatários da corte, fechando o préstito o rei e a rainha. (...) Estes dois personagens, ostentando as insígnias da realeza, como coroas, cetros e compridos mantos sustidos por caudatários, marcham sob um grande umbela e guardados por arqueiros. (...) No coice vêm os instrumentos: tambores, buzinas e outros de feição africana, que acompanham os cantos de marcha e danças diversas com um estrépito horrível.
"Aruenda qui tenda, tenda,
Aruenda qui tenda, tenda,
Aruenda de totororó."
O autor chama a atenção do leitor para o Maracatu Cabinda Velha que, "desfraldando um rico estandarte de veludo bordado a ouro, como eram igualmente a umbela e as vestes dos reis e dignatários da corte, e usando todos eles de luvas de pelica branca e finíssimos calçados. Os vestuários dos arqueiros, porta-estandarte e demais figuras, eram de finos tecidos e convenientemente arranjados, sobressaindo os das mulheres, trajando saias de seda ou veludo de cores diversas, com as suas camisas alvíssimas, de custosos talhos de labirinto, rendas ou bordados, vistosos e finíssimos; e pendentes do pescoço, em numerosas voltas, compridos fios de miçangas, que do mesmo modo ornam-lhe os pulsos. Toda comitiva marchava descalça, à exceção do rei, da rainha e dos dignatários da corte, que usavam de calçados finos e de fantasia, de acordo com os seus vestuários".
E concluindo, afirma Pereira da Costa:
"Quando o préstito saía, à tarde, recebia as saudações de uma salva de bombas reais, seguida de grande foguetearia, saudações essas que eram de novo prestadas no ato do seu recolhimento, renovando-se e continuando as danças até o amanhecer; e assim, em ruidosas festas e no meio de todas as expansões de alegria, deslizavam-se os três dias do Carnaval."
Preservando a denominação de nação, os préstitos dos maracatus de baque virado (que utilizam nas suas apresentações tão somente instrumentos de percussão de origem africana) continuam a desfilar pelas ruas do Recife nos dias do carnaval e nos meses que antecedem a grande festa. Denominando-se de Nação do Elefante (1800), Nação do Leão Coroado (1863), Nação da Estrela Brilhante (1910), Nação do Indiano (1949), Nação Porto Rico (1915), Nação Cambinda Estrela (1953), além de outros grupos que surgiram mais recentemente, mantendo a tradição africana dos seus antepassados.
SUPLEMENTO CULTURAL
Diário Oficial. Estado de Pernambuco.
Ano X. Fevereiro de 1997
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